Sem teto, sem chances… Excluídos

Por Eduardo Waac, poeta e jornalista, editor de O Boêmio — Cultura Popular Independente e Evolucionária

É preciso colocar-se na pele do irmão para saber sua dor. Olhar com os seus olhos, sentir com os seus sentidos, almoçar em sua mesa. É necessário despir-se de preconceitos e abraçar suas causas. Saber ouvir, aprender a calar. Ponderar. Se você lê este texto e mora numa casa própria, está empregado e sua família tem posses, possui uma opinião. Se é um despossuído da vida, convive entre a dúvida, a misé­ria e o medo, e sua família é explorada há gerações, é outra realidade.

Nosso país governado por corruptos vive uma luta de classes dis­farçada, onde o poder econômico sufoca os mais pobres e privilegia os detentores do capital. O déficit habitacional é um triste fato que demonstra a inversão de valores e a desproporcional e criminosa con­centração de rendas. 33 milhões de brasileiros não têm onde morar, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para Assentamen­tos Humanos.

A falta de moradia aumenta o número de invasões e a população favelada (mais de 12 milhões de seres). Toda ocupação é resultado de um duplo abandono: o das famílias, que não têm asse­gurado o seu direito à moradia, e o dos edifícios ou terrenos que não cumprem sua função social.

Levantamento feito pela Fundação João Pinheiro — referência nacional sobre o tema — do governo de Minas Gerais, mostra que são mais de sete milhões os imóveis abandonados (79% localizados em áreas urbanas e 21% em áreas rurais), enquanto 6,35 milhões de famílias precisam de uma residência. “Temos mais casa sem gente do que gente sem casa”, afirma Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. São Paulo é o estado recordista neste descalabro, seguido por Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Maranhão.

A luta por moradia é necessária e legítima. Nin­guém ocupa porque quer, mas por necessidade, para não ficar em si­tuação de rua. É necessário pressionar o poder público a assumir sua responsabilidade. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, quase 85% das famílias sem moradia ganham até três salários mínimos e sofrem com o gasto excessivo com aluguel. Mais de três milhões de pais e mães de família precisam decidir todo mês entre pagar o aluguel ou sustentar os filhos.

Não se pode crimi­nalizar a luta social, ela é justa, pois o processo de urbanização do país está diretamente ligado à especulação imobiliária. A propriedade privada não é um direito absoluto; a Constituição Federal assegura este direito desde que o imóvel cumpra uma função social.

O Brasil está entre os países com maior déficit habitacional do planeta, ao lado da Índia e da África do Sul. O número de brasileiros que reside em situação extremamente inadequada (déficit qualitativo) atinge 54 mi­lhões de pessoas. São domicílios precários, coabitação familiar, ônus excessivo com aluguel urbano e adensamento excessivo de domicílios alugados.

Nosso povo segue a cada dia resistindo como pode e inse­guro com o amanhã. Movimentos urbanos de trabalhadores sem-teto afirmam que “enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito”. As famílias que vivem em ocupações são vítimas do descaso, da irres­ponsabilidade estatal e da especulação imobiliária, enquanto o artigo 6º da Constituição Federal dispõe sobre a moradia e a assistência aos desamparados como direito social.

Para o MTST, criado em 1997, as ocupações são “o grito de um povo que não suporta viver calado em seus buracos nem a continuar sofrendo humilhações por viver de favor na casa de alguém”. Crianças, idosos e mulheres estão nesta luta desigual e ancestral. Grande parte das bases sociais dos movimentos dos sem-teto é composta por mulheres. É o que afirma a cientista política da PUC Nathalia Oliveira.

Muitas delas são negras e migran­tes. Chefes de família, jovens, idosas, mães e avós. Criam seus filhos e netos sozinhas e enfrentam o sistema político e econômico com delicadeza e valentia. São trabalhadoras de baixa renda, desempre­gadas, ex-lavradoras, vendedoras ambulantes, catadoras de material reciclável, donas de casa e pessoas em fuga da violência machista. Têm esperança no futuro, por isso lutam e não se entregam, resistem, insistem.

A conquista de uma moradia digna torna-se urgente e vital para sua sobrevivência e a de sua família. É preciso um outro olhar, que contemple a diversidade, os excluídos, os sem-valia. É preciso coragem para enfrentar esta questão que não pode mais ser abordada por cínicos e demagogos.

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