Não existe meritocracia

Os “Millennials” perceberam que a meritocracia não existe, não importa o quanto você se esforce

ANNE HELEN PETERSEN SABE DE QUEM É A CULPA PELA EPIDEMIA DE BURNOUT E NO SEU LIVRO ‘NÃO AGUENTO MAIS NÃO AGUENTAR MAIS’ ANALISA POR QUE ESSE GRUPO SOCIAL É A GERAÇÃO MAIS CANSADA

Seu ensaio intitulado “Como os millennials se tornaram a geração do ‘burnout’”, publicado em 2019 no Buzzfeed, foi lido mais de sete milhões de vezes em inglês, colhendo outros milhões de leitores a mais ao ser traduzido para diversos idiomas.

Uma interessante versão ampliada acaba de ser publicada sob o título de “Não aguento mais não aguentar mais” (HarperCollins, 2021), uma exaustiva investigação e análise que contextualiza o cansaço geracional e oferece chaves, e muitos dados, para entender do que falamos quando nos referimos a uma geração queimada (ou ‘esgotada’).

Sobre por que as redes sociais são tão exaustivas, como o lazer desapareceu das nossas vidas, por que a criação dos filhos é uma corrida de obstáculos neste cenário de incertezas, e de que maneira a cultura trabalhista se perdeu —ou como ela mesma escreve em suas páginas, “antes o trabalho era uma merda e era precário; agora é mais ainda”.

Petersen vem para nos dizer que nesta epidemia do cansaço a culpa não é sua, e sim do sistema. E que, se uma jovem de Montana ganhou tanta repercussão no mundo todo por um texto sobre a incapacidade de cumprir pequenas tarefas, por algo será: “Acho que, se o ensaio se tornou global e acabou em livro, é por algo que afeta a todos nós, sem importar de onde somos: todos vivemos sob as regras do capitalismo”.

Trechos das respostas da entrevista: “Nossos pais, avós e tataravós passaram penúrias como a guerra, doenças, trabalho físico muito intenso… Aqui ninguém nega que a vida seja atualmente muito menos árdua em diversos aspectos, mas também é mais complicada. Há muitos fatores de pressão sobre os indivíduos, como consumir notícias o tempo todo ou ter que representar nossa vida a todo momento, não só no trabalho, mas também nas redes sociais.

Sei que se você disser ao seu avô “Estou esgotado por como me apresentar no Instagram”, ele te dirá: “Mas que tipo de problema é esse?”.

Basicamente, essa constante autorrepresentação é de fato exaustiva, obrigando a se conceber a todo momento como uma mercadoria e a pensar em como seu valor/persona se encaixa no mercado.” “Sobre meritocracia, acho que os millennials perceberam que, independentemente do seu esforço e de seguir o caminho certo, as coisas podem mudar muito rapidamente e você será substituído, a não ser que provenha de uma família muito rica e poderosa.

Você pode ter ido aos melhores colégios, ter batalhado muitíssimo, conseguir um emprego e trabalhar duro, mas isso não garante sucesso nem estabilidade. E isto tem pouco ou nada a ver com o indivíduo, e mais com os sistemas que o puseram nessa posição de vulnerabilidade.”

Nos Estados Unidos existe esta ideia de que tudo o que você fizer, da infância à sua vida adulta, tem que servir para o seu currículo. Sua vida se instrumentaliza, desde suas atividades extraescolares até seus hobbies, para ter um futuro com sucesso. Se não servir para o currículo, não vale a pena. Não há espaço para a criatividade não monetizável.

É realmente terrível pensar que nossa vida está concebida, desde pequenos, como um capital humano de investimento. Não somos a primeira geração que faz isso, mas acredito que somos uma geração que está redescobrindo seus direitos trabalhistas, ou para que servem os sindicatos.

Nos Estados Unidos, passamos por 75 anos de desapego sindical e de pouca solidariedade trabalhista, mas este declínio em nossas condições propiciou uma maior consciência a favor de se sindicalizar.

Entendemos, por exemplo, que se os cuidadores de crianças não tiverem uma remuneração digna, isso tornará impossível que os pais saiam para trabalhar, porque não haverá cuidadores. Nem a meditação nem uma máscara de skincare nos salvarão, mas sim uma reforma estrutural do sistema.

O capitalismo nos leva a acreditar que as coisas são assim. Mas não tem por que serem. Usar menos o Instagram e passar um creme pode aliviar de certa forma, mas devemos pensar no trabalho de forma coletiva para conseguir a mudança.

Nem a meditação nem uma máscara de skincare nos salvarão, mas sim uma reforma estrutural do sistema. O capitalismo nos leva a acreditar que as coisas são assim. Mas não tem por que serem.

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