Tribuna Livre

Por José Álvaro de Lima Cardoso, economista do DIEESE

O geólogo Guilherme Estrella, um dos técnicos responsáveis pelo descobrimento dos poços de petróleo do pré-sal, solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) o bloqueio do pagamento de R$ 21,99 bilhões em dividendos pela Petrobrás aos acionistas. Em novembro do ano passado o Conselho de Administração da companhia aprovou a distribuição de dividendos de R$ 43,7 bilhões, a serem pagos em duas parcelas, dezembro e janeiro.

Um dos argumentos do geólogo é o de que os valores previstos na distribuição não encontram paralelo no mundo, seja em empresas estatais, seja em companhias privadas, o que indica um grau de irregularidade bastante forte (ainda para uma decisão tomada sob um governo lotado de irregularidades, como o de Bolsonaro). Conforme lembra Estrella, mesmo que fosse uma empresa totalmente privada, a distribuição prevista atende exclusivamente aos interesses privados e sem ter havido debate na sociedade.

A direção da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET) vem denunciando também que as distribuições de dividendos na empresa, nos últimos dois anos é completamente desproporcional na comparação com o que ocorre no mundo e são insustentáveis, sob qualquer ponto de vista que se analise o problema. Conforme Felipe Coutinho, vice-presidente da AEPET, vem afirmando, só é possível pagar dividendos naqueles montantes às custas de redução de investimentos e da venda de ativos rentáveis e extremamente estratégicos da Petrobrás (como fizeram a torto e a direito desde o golpe).

Esse debate é um desafio imenso para o novo governo, que, no aspecto econômico e político já está cercado, fato que ocorreu antes mesmo do que se esperava (não houve nem uma semana de “lua de mel” com as forças reacionárias). O petróleo, e consequentemente a maior empresa da América Latina, estiveram no centro dos acontecimentos no golpe de 2016. Continuarão estando, em função da essencialidade do produto na geração de energia e como matéria prima de milhares de bens industriais. O país dispõe de imensas reservas, bilhões de barris de petróleo, é o 10º produtor do mundo, o maior da América Latina, acima da Venezuela e do México.

O petróleo é “ouro negro”, pois não tem substituto a curto prazo como matéria-prima e fonte de energia (gostemos ou não do fato). Mas a renda petroleira no Brasil, que é abundante, serve a quem? Ao povo brasileiro não pode ser porque pagamos quase R$ 6,00 o litro da gasolina e quase R$ 100,00 o botijão de gás (em média). O Estado brasileiro fica com uma parcela, através de alguns royalties e impostos. Os trabalhadores petroleiros também não se beneficiam porque boa parte ganha salários baixos, que foram perdendo poder aquisitivo nos últimos anos. A parte do leão fica, claro, com as multinacionais privadas, controladas pelos bancos que se apropriam da renda petroleira para aumentar seus lucros no curto prazo.

Outro segmento que se beneficia são os bancos, que financiam o negócio e querem a maior margem de juros possível. Se apropriam também das empresas estatais estrangeiras, que visam preservar a segurança energética de seus países. Preferem inclusive transportar o óleo bruto para refinar em seus países, agregando valor e gerando emprego qualificado na riquíssima cadeia do petróleo. A renda petrolífera é apropriada também pelos especuladores da bolsa, seja aqui, seja em Nova Iorque. A Petrobrás é a ação mais importante da bolsa brasileira, chamada de Golden Share, porque a empresa é muito sólida e porque o Brasil tem muita reserva de petróleo.

O Brasil é um país estratégico, que terá papel importante no mundo na conjuntura internacional que se abriu, especialmente após a guerra na Ucrânia, que acelerou a ruína do mundo unipolar. Os EUA precisam dramaticamente manter o Brasil e a América Latina sob dominação, inclusive ampliando o nível de transferência de riquezas da região para o centro capitalista, em função da gravidade da crise. O Brasil está economicamente despedaçado e muitas ações precisarão ser encaminhadas para virar o jogo, inclusive em relação à política do petróleo, que hoje se subordina a interesses imperialistas. A ação direta de Guilherme Estrella, grande brasileiro e especialista no assunto, oportuniza essa discussão crucial.

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