Ser cristão em tempos de violência

A misericórdia é o critério para entender o agir cristão. Ser cristão é “deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança: não se ponha o sol sobre vossa ira (Ef 4, 26). Misericordiae Vultus, n. 9. A notícia do assassinato brutal do Padre Kazimierz Wojno (Padre Casimiro), durante assalto a igreja na Asa Norte N. S. da Saúde 702 Brasília, na noite deste sábado (21/09/2019), com requintes de crueldade (foi espancado, amarrado e estrangulado com um arame farpado enrolado no pescoço) horroriza, não só pelo ato em si que pode alcançar qualquer pessoa.

Mas porque revela uma sociedade conturbada, angustiada pela crescente desigualdade que a deixa desorientada em suas referências éticas e na possibilidade de respostas confiáveis no exercício oficial do sistema de segurança e justiça, nos dias em curso, também promotora de práticas violentas e redutoras da dignidade humana, das quais nem crianças são poupadas. A morte do padre Casimiro choca pelo contraste entre a sua vida de doação à causa da misericórdia e da promoção da paz.

O religioso havia celebrado uma missa no início da noite de sábado, às 18h30. Morreu no serviço de Deus e da partilha pastoral. Por isso, mais que deblaterar contra as causas de sua morte e de se deixar arrastar pelo ressentimento, pela raiva, pedindo mais violência e vingança, o infausto acontecimento nos convoca a refletir sobre o sentido de ser cristão em tempos tão conturbados.

Precisamos lembrar que a violência que permeia as condições agônicas dos tempos que estamos vivendo, sim exige de nós termos melhor compreensão de suas raízes, dos fatores que a induzem, da propagação que muitas vezes a espetacularizam, no plano institucional e no plano societal, não é só resultado de exercícios de forças bélicas, de ódios, desigualdades e intolerâncias, de injustiças, de corrupção dos costumes e das políticas públicas, mas é também consequência de fragilidades aninhadas em nossos corações e em nosso modo de orientar a nossa ação no serviço da misericórdia.

Este trágico acontecimento pode ser um sacrifício para despertar em nós, cristãos e todos que tenham boa vontade, a lição do Monte: “Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’, e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’. Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer quem disser a seu irmão: ‘Racá’ [“Você não vale nada”], será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco!’ [“idiota”], corre o risco de ir para o fogo do inferno” (Mt 5:21-22).

A perda do padre Casimiro, sob a condição de martírio, traz a nossa reflexão o ensinamento de Jesus para a legítima atitude contra a violência: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9). Porque, como ensina Tiago (Ep.), precisamos plantar a justiça para criar a paz: “O fruto da justiça semeia-se em paz para os pacificadores!”. A Comissão Justiça e Paz de Brasília, no seu mandato pastoral, se solidariza com a família do padre Casimiro, com seus paroquianos, com a grande fraternidade que forma a nossa assembleia arquidiocesana.

Responde a esse clamor que a sua morte lança para o labor da pacificação, na sociabilidade e na cordialidade, e se compromete mais ainda com a causa da misericórdia. Padre Casimiro é semente, ele permanece entre nós, seu ministério, seus valores, seu serviço pastoral. Como semente renasce, frutifica como exemplo, nos ensina a ser cristãos em tempos conturbados.

Por isso, mais que deblaterar contra as causas de sua morte e de se deixar arrastar pelo ressentimento, pela raiva, pedindo mais violência e vingança, o infausto acontecimento nos convoca a refletir sobre o sentido de ser cristão em tempos tão conturbados.

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