O chão de trabalho sem fim

POR RODRIGO GALVÃOTodas as manhãs, os isolados habitantes desse departa­mento costumam ouvir uma insólita música da porta de en­trada até sua mesa de trabalho: “o deserto que atravessei ninguém me viu passar”. Um quê de suspense nos primeiros passos, porque longo é o caminho para chegar ao distante, porém almejado local de trabalho. E a equipe de treina­mento, propositalmente, está ao final de uma travessia que permite a reflexão e desenvolvimento pessoal nesse perío­do de deslocamento.

Uma carcaça de mesa padece de “per­nas para cima”, perdida no espaço aberto. Uma cadeira de escritório com rodas paradas e o telefone mudo, em silên­cio. Como aquelas bolas de mato seco, que passam rolando pelas cidades fantasmas nos filmes de cowboy, a situação desse lugar passou de indefinida para abandonada. O vento assovia enquanto no horizonte a silhueta de uma pessoa se forma; e pergunta: “é aqui que deixa o reembolso?”

Reza a lenda que existe um sábio, atrás de um pilar, de­pois dos carpetes infinitos. Ele orienta aqueles que, per­didos na imensidão, não encontram seu destino. Com seu sotaque peculiar sempre tem uma palavra de ânimo para os caminhantes: “o que é que ser, será!”, as pessoas agradecem e seguem peregrinos, com um papel na mão. Às vezes esses eremitas corporativos se entreolham pequeninos no hori­zonte, acenam minúsculos para aquele ínfimo ponto que é seu colega de trabalho, lá longe.

O peso do exílio alivia por instantes, não se sentem mais abandonados. O silêncio ocupa toda a extensão daquele lugar que já foi vibrante em tempos já esquecidos. Ao entardecer o eco das palavras de despedida chega até os confins do olhar, lá nas longínquas paredes do departamento. Então os trabalhadores partem de volta, em marcha, de suas mesas à porta de entrada. É assim a rotina dos que trabalham em lugares solitários, longe de tudo e todos, esquecidos na imensidão do chão de trabalho sem fim.

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