Comprar ou não comprar, eis a questão

Em 2020, vivemos uma situação que nunca tínhamos enfrentado. A pandemia de covid-19 gerou consequências econômicas graves. Como de costume, os maiores afetados não são os grandes, e sim os pequenos. Muitas livrarias pequenas fecharam, ou permaneceram apenas através das vendas online, concorrendo com grandes cruéis do varejo, como a Amazon, por exemplo.

Torna-se difícil rivalizar com empresas já estabelecidas no mercado virtual, com práticas muitas vezes duvidosas no que diz respeito aos direitos de seus trabalhadores e no trato com a concorrência. Agora que praticamente eliminou suas duas maiores concorrentes – Cultura e Saraiva -, segue dificultando a manutenção de livrarias pequenas. Enquanto as pequenas livrarias lutaram para sobreviver em meio à pandemia e crise econômica, Jeff Bezos ganhou cerca de 24 bilhões de dólares, graças à valorização das ações de sua empresa.

Livros são, em sua essência, ferramentas revolucionárias, pelo conteúdo que carregam e pelo marco histórico que representam. O que a fabricação desses objetos permitiu é a propagação de ideias de uma maneira verdadeiramente inovadora, fazendo com que a alfabetização de todos e todas fosse reconhecida como necessidade e direito. A Amazon começou vendendo livros durante seus primeiros anos de existência. Dessa maneira, criou um discurso de empresa benevolente, trazendo benefícios para a sociedade e os indivíduos, quando o que de fato ocorre é o fomento de uma exploração dúbia – de seus trabalhadores e também de seus clientes.

O preço que se paga, com os descontos muitas vezes incríveis ofertados pela Amazon, é resultado de duas escolhas básicas: a redução dos direitos daqueles que trabalham tanto em seus escritórios e armazéns, e a transformação do consumidor em produto. Esse ganho vem da venda gigantesca em quantidade, mas também da utilização de dados do consumidor, tanto para a melhoria do algoritmo da Amazon, quanto para outros fins. Lembre-se que a Amazon oferece serviço para outras empresas e governos.

A ideia em que a Amazon se baseia, de que um produto deve ser o mais barato possível, não é nova: a luta dos trabalhadores ao longo das últimas revoluções industriais é reveladora nesses sentido. O barateamento ao extremo tem o efeito nocivo de transformar tempo em dinheiro e pessoas em bens, conceitos que são a base da nova onda conservadora e negacionista que tomou conta de um espaço político que, até uma década atrás era inimaginável para muitos de nós.

Temos consciência da evolução da sociedade em criar e reproduzir novas tecnologias, não nos opomos a isso; usamos essas novas ferramentas para facilitar nossa vida, mas o nosso encontro diário com pessoas deveria guiar o nosso uso delas com uma finalidade para além do dinheiro.

Com a proximidade das festas de final de ano, quando o consumismo fica mais latente, é necessária a reflexão. Não podemos simplesmente trazer dados e criticar o modelo capitalista, ou colocar o consumo consciente como única opção. Devemos refletir e analisar nossas relações de consumo, de mercado e regulamentação frente aos problemas advindos desse desequilíbrio. Cobrar políticas públicas que enfrentem esse modelo predatório e que as trabalhadoras e os trabalhadores possam ter direitos e salário dignos.

Imagem: Outraspalavras.net
Texto adaptado do livro Contra Amazon, de Jorge Carrión

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