Sai da frente, estafermo! Uma saga de mulheres negras

Delman Ferreira e Paulo Sá Brito lançam livro na próxima terça-feira, dia 25, em Florianópolis

A partir de um manuscrito com histórias de família, iniciado por Leopoldina, uma ex-escravizada, alfabetizada, nascida em 1852, Sai da frente, estafermo! apresenta a saga de mulheres negras desde o século XIX, quando Florianópolis ainda era a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro, até a década de 1980.

Desterro/Florianópolis é o cenário. Os personagens têm as vidas impactadas pela forma como se organizava a sociedade em cada época. No romance, estão presentes alguns dos importantes acontecimentos da história da cidade ao longo de quase 150 anos.

Também ocupam posição de destaque as comunidades religiosas, as irmandades, cujo papel na defesa dos negros e no acobertamento de fugas de escravizados foi relevante.
Em grande parte do Brasil, muitos têm a impressão de que Santa Catarina é habitada apenas por descendentes de europeus. Nessa visão, Florianópolis seria uma cidade eminentemente branca, com uma população de pele e olhos claros. De forma subliminar, propagandas turísticas, imagens de festas, matérias jornalísticas, reforçam essa ideia de não haver negros em Santa Catarina.

Um dos méritos desse romance é o de mostrar que Florianópolis teve, e tem expressiva população negra, submetida à escravidão e, após 1888, a toda a sorte de exclusões e preconceitos raciais que, em maior ou menor medida, sobrevivem até hoje.

As personagens femininas – eixo condutor do romance – sabiam que entre as poucas possibilidades de os negros conseguirem mobilidade social e escaparem dos trabalhos mais rudimentares e subalternos, estava o conhecimento. O estímulo ao estudo e à leitura permeia a vida dessas notáveis mulheres.

O romance traz à tona a presença de intelectuais negros na vida cultural da cidade. Homens e mulheres muitas vezes esquecidos pela historiografia. O resgate desses personagens propicia ao leitor conhecer a importância da contribuição negra e, junto, a existência do racismo, mesmo nas chamadas esferas cultas da sociedade.

Sobretudo, é, um relato agudo e sensível de resistência e luta, com o grande mérito de não ceder ao panfletarismo e às simplificações. Narra as crueldades do sistema escravista. Entretanto, nele não há negros santificados contra brancos perversos. Os personagens do livro são pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que traçam suas tramas para resistir e sobreviver num mundo adverso.

Embora tema candente, repleto de situações dolorosas e enternecedoras, a abordagem é leve, propiciando leitura agradável, daquelas que se tem dificuldade para abandonar o livro.

Importante destacar que a expressão Sai da frente, estafermo era usada, até meados do século XX, quando se queria mandar alguém sair do caminho, não atrapalhar, não ser ou criar obstáculos. As protagonistas do livro se utilizam da frase em momentos que precisam superar e dar a volta por cima depois de tombos pela vida. Estamos diante de um bom romance baseado em história verdadeira, com tema atual.

Sobre os autores:
Delman Ferreira foi trabalhador da Eletrosul em Florianópolis e dirigente do Sinergia Paulo Sá Brito foi trabalhador da Celesc e Representante dos Empregados no Conselho de Administração da empresa.

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