Projeto quer escavar e esquadrinhar em SP um dos piores centros de tortura da ditadura

Pela primeira vez no país, um projeto arqueológico, histórico e forense pretende devassar o terreno e as edificações da antiga sede do DOI-Codi paulista em busca de respostas

No dia 12 de agosto foi comemorado o Dia Nacional dos Direitos Humanos, criado em homenagem à líder sindical Margarida Maria Alves, defensora dos direitos dos trabalhadores durante a ditadura, que foi assassinada na data em 1983 por um matador de aluguel. Durante a ditadura, direitos humanos eram constantemente desrespeitados, especialmente dentro de centros de tortura como o DOICODI, localizado em São Paulo.

Pelas suas masmorras passaram pelo menos 6.700 presos políticos apenas de 1969 a 1975, dos quais um incontável número foi torturado e de 52 a 70 foram assassinados, segundo números coletados pela historiadora Deborah Neves. Pela primeira vez no país, um projeto arqueológico, histórico e forense pretende devassar o terreno e as edificações da antiga sede de um DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), um violento e temido braço da repressão política durante a ditadura militar (1964-1985).

Por meio de escavações controladas, raspagens, escaneamentos e raio-x, entre outros meios, a pesquisa buscará produzir conhecimento para a melhor compreensão dos espaços utilizados pela repressão e, num cenário ideal, localizar qualquer tipo de vestígio da passagem dessa multidão de ex-prisioneiros, muitos dos quais desaparecidos até hoje.

O foco da pesquisa é o conjunto de cinco edificações erguido sobre um terreno de 1,5 mil metros quadrados em São Paulo que abrigou, durante 14 anos, a sede do DOI-Codi de São Paulo. O conjunto tem duas entradas, uma pela rua Tutoia, 921, marcada pela presença de guaritas à vista de quem está na rua, o que confirma o objetivo militar do prédio, e outra pela rua Tomás Carvalhal, 1030, no bairro do Paraíso, na zona sul da capital paulista. Na década de 1970, a partir da experiência paulistana, outras nove capitais brasileiras tiveram seus próprios DOI-Codi, todos marcados por relatos de extrema violência e ilegalidades.

“Nosso objetivo é usar os recursos forenses a fim de dar uma resposta social. Por fim, ajudar a transformar o local num memorial para que as pessoas saibam e reflitam sobre o que ocorreu naquele lugar. Hoje em dia há pessoas duvidando de que a ditadura aconteceu.

Então precisamos trazer isso ao público. Vários países estão recuperando essa memória e o Brasil segue atrasado nisso tudo”, disse a professora de arqueologia Cláudia Regina Plens, coordenadora do projeto de pesquisa e do LEA (Laboratório de Estudos Arqueológicos) do Departamento de História da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

O projeto de pesquisa conta com mais seis pesquisadores associados e outros cinco colaboradores, entre arqueólogos, historiadores e geneticistas de diversas instituições de ensino, como a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a USP (Universidade de São Paulo), a Unicamp (Universidade de Campinas) e a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

O primeiro passo do projeto propriamente dentro do complexo do extinto DOI-Codi deverá começar ainda em agosto, segundo Plens, quando os pesquisadores utilizarão um equipamento de radar para tentar localizar as possíveis alterações realizadas nas paredes e no chão ao longo dos anos. Os pesquisadores não têm notícia de que houve enterros dentro do complexo, mas o georadar também poderá identificar algo nesse sentido.

Publicacão original: Agência Pública – Disponível em: https://apublica.org/2022/08/projeto-quer-escavar-e-esquadrinhar-em-sp-um-dos-piores-centros-de-tortura-da-ditadura/

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