Insegurança: número de acidentes de trabalho cresce diante da irresponsabilidade da diretoria da Celesc

O setor elétrico brasileiro é um dos que mais causa acidentes fatais no país, com taxas, em média, 4,8 vezes maiores do que a dos demais setores formais da economia. Em um setor de alta periculosidade, garantir condições adequadas de trabalho e de saúde e segurança dos trabalhadores deveria ser foco de qualquer administração. Infelizmente, o cenário na Celesc é muito diferente.

Enquanto a Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho vira palco para “ameaçar trabalhadores”, os índices de frequência e gravidade de acidentes de trabalho aumentam a números alarmantes na empresa. Segundo dados do Boletim do Conselheiro nº 139, dados apresentados no Comitê de Recursos Humanos que assessora o Conselho de Administração demonstraram uma deterioração dos indicadores de segurança da empresa. O conselheiro ainda destaca “relato da DVSS de inúmeros acidentes graves que poderiam ter levado a trabalhadores terceirizados a óbito”.

Terceirização e acidentes de trabalho

Majoritariamente privado, o setor elétrico é comandado pela lógica financeira em que a terceirização é um dos fios condutores da precarização do trabalho. A aplicação de uma lógica de exploração dos trabalhadores, precarização das condições de trabalho e de atendimento à sociedade, que leva ao esgotamento e aumenta os riscos de saúde e segurança dos trabalhadores sempre foi criticada pelos sindicatos da Intercel.

Neste cenário, a realidade da Celesc, hoje, é fruto da atuação irresponsável de uma Diretoria que busca a terceirização geral e irrestrita e se nega a cumprir o quadro de dotação com trabalhadores próprios. Durante o desastre causado pelo Ciclone Bomba, ficou evidente como a política de terceirização, que a Diretoria da Empresa tenta implementar, leva os trabalhadores ao risco. Trabalhando à exaustão para restabelecer o sistema elétrico e atender a sociedade catarinense, ao menos 3 acidentes graves foram registrados.

A situação de irresponsabilidade da Diretoria é ainda mais evidente quando lembramos que os sindicatos da Intercel haviam, poucos dias antes, solicitado o adiamento das saídas no Plano de Desligamento Incentivado (PDI) por conta da defasagem de trabalhadores e dos riscos à categoria e à sociedade. O representante dos empregados no Conselho de Administração, Leandro Nunes, elenca no boletim que “medidas severas deverão ser tomadas para que a segurança seja vista como prioridade na empresa, dentre elas, a meu juízo, a internalização da atividade fim da empresa com a contratação de empregados próprios concursados, como maneira de mitigar os riscos apresentados”.

Para além da superioridade do serviço prestado pelo trabalhador próprio à população, a internalização da atividade fim também é uma medida de proteção à saúde e segurança. Segundo dados da Fundação Coge e do Dieese, o número de acidentes de trabalho com empregados terceirizados é até três vezes superior ao de acidentes com trabalhadores próprios. Ao incentivar a redução de custos e a maximização de lucros, a Diretoria da Celesc alimenta o plano de terceirização geral e implementação de práticas de degradação das condições trabalhistas e sociais dos eletricitários, o que se reflete como uma das causas da piora de seus indicadores de saúde e segurança.

Ao longo dos últimos anos a atual diretoria da empresa tem feito um jogo de cena com a segurança. Ao mesmo tempo que investe em propaganda, leva ao Conselho de Administração propostas para terceirizar atividades como as de eletricistas e atendentes comerciais. Em Dezembro de 2019, durante o debate do Orçamento 2020 da Celesc Distribuição, o Diretor de Distribuição, Sandro Levandoski, acompanhado pelo Presidente da Celesc, Cleicio Poleto Martins, apresentaram ao Conselho de Administração uma proposta de intensificação da terceirização na empresa.

Segundo relato do Boletim do Conselheiro 121, “o entendimento era de que fosse intensificada a terceirização na atividade-fim, sob o entendimento de que “para a gestão” seria melhor uma proporção de 60% x 40% entre empregados próprios e terceiros na operação e manutenção do sistema elétrico”. Para uma diretoria que diz ter como pauta prioritária a saúde e segurança do trabalhador, as constantes investidas rumo à terceirização são mostras de que tudo não passa de propaganda. Vale lembrar que, de acordo com o Boletim do Conselheiro, nem os custos da terceirização se justificam, uma vez que “o empregado concursado custa menos à Celesc, além de produzir mais e trabalhar de maneira mais segura”.

Ainda contra a terceirização existem duas questões que envolvem o Ministério Público: um Termo de Ajuste de Condutas (TAC) e uma Ação Civil Pública (ACP). Dentre outras coisas, o TAC assinado entre Celesc e MP previu, explicitamente, que a terceirização na atividade fim não seria realizada, salvo em contratações temporárias pelo período onde não tivéssemos cadastro positivo à admissão de concursados ou nos reforços operacionais pontuais (operação verão).

A Ação Civil Pública de Saúde e Segurança é originária de um grave acidente de trabalho e o descaso da administração merece um grande detalhamento.

A Diretoria da Celesc alimenta o plano de terceirização geral e implementação de práticas de degradação das condições trabalhistas e sociais do eletricitário, o que se reflete como uma das causas da piora de seus indicadores de saúde e segurança.

O que é a ACP de Saúde e Segurança do Trabalhador?

Em novembro de 2005, um trabalhador terceirizado que atuava como montador de equipamentos elétricos de uma prestadora de serviços contratada pela Celesc sofreu um grave acidente de trabalho ao ter sido atingido por descarga elétrica em tensão de 13.800 volts, o que ocasionou a perda do braço direito e das duas pernas acima da altura dos joelhos. As imagens do acidente foram transmitidas ao vivo pela RBS TV, que passava no local, demonstrando a toda a população a periculosidade do trabalho dos eletricitários e causando grande comoção na população.

Em investigação do Ministério Público, foi demonstrado que o acidente ocorreu por não terem sido observadas as normas de segurança. Desta forma, o MP propôs à Celesc a assinatura de Termo de Ajuste de Conduta, que foi negado pela empresa. A empresa foi condenada pela 2ª Turma do Tribunal Regional catarinense a pagar ao trabalhador acidentado indenizações no valor total de R$ 1,5 milhão, ao mesmo tempo em que, em 2009, o MP instaurava Ação Civil Pública contra a Celesc, convocando a Intercel para participar como assistente no processo.

Um acordo foi firmado onde, da multa inicial de R$ 17 milhões determinada pelo MP, R$ 15 milhões foram destinados à melhorias no sistema de rádio da Celesc, caótico à época. O montante restante foi dividido em multas revertidas à entidades sociais apontadas pelo MP. Entretanto, o mais importante deste processo foi a elaboração, por parte da Intercel, de 45 itens acerca da saúde e segurança dos celesquianos, que integraram o Acordo com obrigatoriedade de serem cumpridos pela Celesc.

Desde o início do Acordo, os sindicatos da Intercel têm participado de debates com a empresa para implementar os itens do Acordo e processos de melhoria na vida, saúde e segurança dos trabalhadores da Celesc.

O descaso que reflete no aumento de acidentes

O descaso da atual Diretoria da Celesc com o acordo da ACP reflete, claramente, o aumento na frequência e gravidade dos acidentes de trabalho na empresa. O acompanhamento do cumprimento dos 45 itens do Acordo é feito pelos sindicatos da Intercel, a pedido do Ministério Público, através de relatório enviado pela empresa, bimestralmente. Neste acompanhamento, os sindicatos têm denunciado ao MP que, desde que assumiu, esta Diretoria boicota a ACP, parando processos essenciais para a construção de uma cultura de segurança na empresa.

Em recente relatório encaminhado ao MP, os sindicatos da Intercel apontam o descumprimento de 16 itens do acordo. A própria DVSS, responsável pelo acompanhamento do acordo e pela grande maioria dos itens da ACP, assumiu a postura de relegar os trabalhos ao esquecimento ou à conveniência. Entre 2019 e 2020, foram registrados 151 acidentes de trabalho com empregados próprios ou terceirizados a serviço da Celesc. Entretanto, desde junho de 2019, a Comissão Permanente de Análise de Acidentes e Quase acidentes (CPAA), criada pela ACP, não teve reuniões, voltando apenas em outubro deste ano.

De acordo com o chefe da DVSS, a comissão não realizou análise no período porque ele, como coordenador, simplesmente não convocou reuniões. Entretanto, para os sindicatos da Intercel, a comissão foi sepultada após uma análise apontar a responsabilidade do Gerente Regional e do chefe do departamento técnico da Regional de Itajaí em um grave acidente e o Presidente tomar as rédeas da situação para acobertar as chefias, sem aplicar punição.

Desta forma, fica evidente que a preocupação da Diretoria nunca foi com a segurança dos trabalhadores e o reflexo disso é a crescente onda de acidentes de trabalho na empresa. É preciso destacar a atuação da chefia da DVSS neste processo. Diante do Procurador do MP, em reunião onde os sindicatos solicitaram a execução do Acordo pelos constantes descumprimentos e desrespeitos à saúde e segurança dos celesquianos, o chefe se declarou como único responsável pelo abandono da ACP.

A vexatória autodeclaração de incompetência, diante do MP, demonstra não só a óbvia necessidade de afastamento do cargo, mas também uma tentativa de retirar da Diretoria a responsabilidade de todo este processo.

O que a administração quer para o futuro da Celesc?

O respeito à saúde e segurança dos trabalhadores passará, novamente, por uma decisão do Conselho de Administração. Neste mês, o Conselho deve debater o orçamento para 2021, além da revisão do Plano Diretor, onde, mantida a lógica privatista da Diretoria, será apresentada a proposta de intensificação à terceirização na empresa.

A evidente relação entre terceirização, precarização de condições de trabalho e acidentes no setor elétrico, além do descaso com as políticas de saúde e segurança podem ser evitadas com uma mudança clara de direção, com respeito ao ACP, melhores condições de trabalho e recomposição do quadro de pessoal com contratações de trabalhadores próprios, através de concurso público.

Cabe ao Conselho decidir se o futuro da Celesc será de acidentes, morte e propaganda da Diretoria, ou se teremos uma empresa que dê condições para que os celesquianos atendam à sociedade com qualidade e com segurança.

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