Especial: 35 anos do Jornal Linha Viva

O Linha Viva, a imprensa sindical e o jornalismo

Por Gastão Cassel, jornalista e um dos idealizadores do Jornal Linha Viva

Olhar para o Linha Viva pelo retrovisor nos ajuda a entender a própria história do movimento sindical nas últimas décadas. Criado em 1988, o jornal se inseria na construção de um aparato de comunicação sindical que queria, além de dialogar com as categorias, interagir com a sociedade. Naquele período histórico de redemocratização, os sindicatos voltaram com força após anos de repressão do regime militar, e a imprensa sindical era uma expressão dessa potência. Sindicato forte tinha que ter imprensa forte.

As assessorias de comunicação das entidades tiveram uma tarefa maior do que a tradicional mediação com veículos da mídia convencional. O desafio era criar uma imprensa própria, jornais próprios e, em casos mais raros, até rádios. Sindicatos poderosos como os Metalúrgicos do ABC e dos Bancários de SP chegaram a ter jornais diários distribuídos nas suas categorias. Em SC o Sindicato dos Bancários de Florianópolis foi o pioneiro com a semanal Folha Sindical.

O Linha Viva foi concebido dentro deste contexto, e dentro de uma visão de que a democratização da comunicação e a geração de conteúdos alternativos aos produzidos pela grande mídia tinham em si um potencial de disputa e emancipação. É como se a imprensa sindical tivesse a tarefa de divulgar visões e versões ocultadas, que teriam o condão de despertar consciências.

Um confronto dessa concepção com a realidade de hoje nos mostra que ela era ingênua, se não equivocada. Hoje as fontes de comunicação se multiplicaram, há informação por todos os lados, mas não necessariamente uma ampliação social da consciência de classe. Ao contrário, o desenvolvimento tecnológico abriu caminho para a “pós-verdade”, as fake news e outros fenômenos perniciosos.

Mas essa autocrítica não diminui nem menospreza a importância da imprensa sindical, nem a necessidade de autonomia dos movimentos sociais para gerir sua comunicação, solidificar sua cultura e conectar valores democráticos e libertários.

A imprensa sindical catarinense desempenhou um papel importante nas discussões nacionais e acadêmicas sobre o tema. A existência informal do NOIS – Núcleo Organizado de Imprensa Sindical, principalmente articulado pelos jornalistas do Sinergia/Intercel/Intersul, Apufsc, Sindprevs, SEEB (antiga sigla do sindicatos dos bancários de Florianópolis) e SINTE deu corpo a uma visão de imprensa sindical que deveria extrapolar os “noticiários corporativos” para falar da luta dos trabalhadores em geral, de cultura, esportes e outros campos de informação que extrapolavam o limite de cada categoria.

No centro dessa visão, coirmã da tese do Sindicato Cidadão, estava a preconização da distinção do que seria nos veículos sindicais jornalismo ou propaganda. Aos jornais deveria caber função jornalística, com material produzido com critérios e rigores jornalísticos, com apuração, impessoalidade e compromisso ético. A propaganda caberia aos cartazes, panfletos, folhetos, etc.

A distinção entre essas duas modalidades de comunicação – o jornalismo e a publicidade – historicamente se mostraram um grande acerto. Pois num universo de proliferação das possibilidades de geração de conteúdo, como o que vivemos a partir da internet, as ferramentas do jornalismo são divisão de águas. Trata-se de diferenciar conteúdos aleatórios e amadores dos que são produzidos a partir de procedimentos técnicos e balizamentos éticos. Hoje a sociedade reconhece o jornalismo como um pilar da democrática, um jornalismo que, apesar de muitas imperfeições, é muito diferente de opinião.

Todos sabem que a “imparcialidade” jornalística é um mito, quando não uma fraude. Toda a informação produzida reflete um viés de visão de mundo. A edição começa na pauta e se estende pela seleção das fontes pessoais e documentais, nas perguntas que se faz aos entrevistados, na informação que se busca e ao que seleciona (esta palavra não é um acaso) para compor o texto escrito, falado ou gravado em vídeo.

Olhando o Linha Viva e a imprensa sindical pelo retrovisor vê-se grandiosidade, um importante papel cumprido entre intempéries e ilusões. Mas olhando para frente, vemos um longo caminho a percorrer. As entidades sindicais diminuíram de tamanho, mas não de importância, os recursos já não são abundantes como já foram. No entanto os desafios permanecem muito parecidos e, certamente, mais complexos.

A imprensa sindical nos tempos da cibercomunicação precisa ser tão forte como foi no tempo dos impressos e, onde ainda houver impressos como o Linha Viva, reposicionar a linguagem no contexto da dinâmica digital. Certamente falamos de uma combinação analógico e digital.

Mais do que nunca a imprensa sindical precisa ser profissionalizada e reforçar a noção de procedimento jornalístico para angariar público e credibilidade. Afastar-se da noção das “versões” para se apegar a materialidades, investigações, apurações e confronto de documentação.

O Linha Viva tem uma grande história para ostentar. Uma história de feitos, pioneirismo, debates, equívocos, acertos e desafios. Na sua grandiosidade o LV tem pela frente novos desafios, novos tempos. Mas, cá entre nós, quem veio até aqui com tanta vitalidade, vai muito mais longe.

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